Agrivoltaica fotovoltaica pode revitalizar as lavouras brasileiras

2024-08-26

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A agricultura é responsável por 21,5% do produto interno bruto do Brasil e 27% de suas emissões. As empresas de PV agora estão mirando uma indústria que representa 14% das instalações de pequena escala do país. Com incentivos de crédito e familiaridade crescente com a tecnologia, os agronegócios e especialistas em energia solar estão descobrindo novas oportunidades de colaboração.

As terras agrícolas nos estados brasileiros da Bahia e Tocantins são amplamente cultivadas com soja.
Foto: Oton Barros/INPE

A agricultura é uma das principais atividades econômicas do Brasil e deve produzir R$ 2,46 trilhões ($439 bilhões) em bens em 2024, segundo estimativas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (USP). Os acadêmicos estimam que a agropecuária gerará R$ 1,65 trilhão e a pecuária R$ 801 bilhões, incluindo custos com maquinário e serviços.

O Observatório do Clima, uma ONG brasileira, estima que 617 milhões de toneladas do total de 2,3 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente emitido pelo Brasil em 2022 veio da agricultura. O desmatamento, a principal fonte de emissões do país, com 1,12 bilhão de toneladas de CO2 equivalente em 2022, resulta principalmente da limpeza de terras para novas pastagens e campos de cultivo.

O valor de R$ 2,46 trilhões caiu de R$ 2,67 trilhões em 2023, devido a quebras de safra por mudanças climáticas e ao efeito El Niño. Seca severa no centro-oeste do Brasil e tempestades sem precedentes no sul afetaram as maiores regiões produtoras de soja.

Neste contexto, a irrigação movida a energia solar aumenta a produtividade agrícola e reduz os impactos ambientais. Arrendar terras para painéis solares fornece renda estável para agricultores, especialmente em áreas de baixa ou nenhuma produtividade, e iniciativas públicas e privadas estão promovendo este modelo.

Recursos de política

Em julho de 2024, o Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil destinou R$ 508,59 bilhões para apoiar projetos de agronegócio. A linha de crédito RenovAgro, um componente-chave do plano, pode financiar sistemas renováveis e outras práticas que reduzem as emissões de gases de efeito estufa.

“A tecnologia fotovoltaica é extremamente versátil e pode ser usada, por exemplo, para bombear e irrigar água, resfriar carne, leite e outros produtos, regular a temperatura para produção de aves, iluminação, cercas elétricas, sistemas de telecomunicações e monitoramento de propriedades rurais, entre muitas outras funções”, afirma Ronaldo Koloszuk, presidente da associação brasileira da indústria solar, a Absolar.

Tecnologia de irrigação

A tecnologia de irrigação é um dos principais métodos para aumentar a produtividade agrícola e reduzir o impacto climático nas plantações. A disponibilidade de eletricidade é uma das barreiras que limitam a expansão da tecnologia de irrigação, especialmente por meio do uso de pivôs de irrigação, que envolvem longas linhas de aspersores girando em torno de um ponto central.

A Resolução Normativa 1.000/2021, introduzida pela agência reguladora de energia elétrica Aneel, legislou uma tarifa de energia elétrica incentivando o uso noturno de energia para irrigação e aquicultura. Para ser elegível, o consumidor deve ter uma conexão instalada exclusivamente para alimentar o sistema responsável pelo bombeamento e distribuição de água.

Para garantir que o uso da água esteja em consonância com a preservação do meio ambiente, é necessário possuir licença ambiental e direito de uso dos recursos hídricos ou isenção dessas exigências.

O potencial de crescimento de pivôs de irrigação em estados agrícolas é considerável. A fabricante de equipamentos de irrigação Lindsay Corp., sediada nos EUA, diz que o estado brasileiro do Paraná, com quase 15 milhões de hectares de terras agrícolas, tem menos de 2% de sua área arável irrigada. Em São Paulo, o governo estadual pretende aumentar a escala de suas terras agrícolas irrigadas em mais de 2 milhões de hectares. Atualmente, a irrigação cobre apenas 6% da área de plantação de São Paulo e a meta é atingir 15% até 2030. Mato Grosso agora tem 178.000 hectares sob irrigação e pode expandir isso para 3,9 milhões de hectares.

Nicho agrícola

Incentivos como baixas taxas de juros, prazos de pagamento estendidos e períodos de carência levaram várias empresas solares a mirar a indústria agrícola do Brasil. Por exemplo, a distribuidora de equipamentos solares Genyx lançou uma nova unidade de negócios em 2023, apresentando uma equipe agrícola dedicada e uma abordagem muito mais personalizada para o setor.

“As empresas querem vender por telefone, por WhatsApp”, disse o diretor de Relações Institucionais da Genyx, Bruno Catta Preta. “Primeiro, vamos ao sindicato rural e abordamos os vendedores de outros equipamentos e insumos. Os produtores não querem um PowerPoint no e-mail, eles querem tomar um café e conversar olho no olho. Eles também não se assustam com investimentos de R$ 700 mil ou R$ 800 mil porque estão acostumados a gastar dinheiro com equipamentos caros, como pivôs, caminhões e colheitadeiras.”

Catta Preta explicou que pivôs de irrigação, por exemplo, são equipamentos caros que as concessionárias muitas vezes têm dificuldade de manter conectados. Além disso, a má qualidade da rede de transmissão de energia elétrica que chega às propriedades rurais pela rede elétrica é um incentivo para adotar não apenas sistemas solares, mas também baterias.

“As linhas de distribuição no segmento rural são longas e quase sempre uma única linha”, disse Silvio Robusti, gerente sênior de marketing de produtos da fabricante chinesa de inversores Growatt. “Há poucas conexões e elas são propensas a grandes oscilações, pois cobrem longas distâncias e têm baixa densidade de consumidores por quilômetro. A manutenção também é mais complexa, a qualidade da eletricidade é pior do que em grandes centros urbanos e distúrbios elétricos consideráveis são comuns. Em alguns casos, essas propriedades podem ficar no escuro por até um dia e meio.”

A Growatt forneceu inversores para um projeto solar off-grid de 24 kW instalado em uma fazenda no município de Tatuí, no interior do estado de São Paulo. Ele permitiu a perfuração de um poço artesiano para acesso à água potável, bem como a construção de duas casas no local.

“No início, não havia infraestrutura básica como água e eletricidade, o que tornou inviável construir duas casas para a família morar na propriedade”, disse Oscar Makoto Kojima, o engenheiro off-grid responsável pelo projeto. “O cliente também fez uma comparação de conexão à rede elétrica da empresa de distribuição de energia no local, mas o custo teria sido muito alto e o processo muito demorado. Ele então optou por um sistema fotovoltaico off-grid integrado com baterias.” O local possui quatro baterias de lítio Dyness de 9,6 kWh e 54 módulos JinkoSolar, cada um classificado em 440 W.

No estado da Bahia, no nordeste do país, a fazenda Dom Perignon, do produtor de algodão Sementec Group, dobrou sua colheita de soja com um sistema de irrigação movido a energia solar e reduziu o consumo de diesel em 70%. O projeto foi instalado pela Loop Energia e é abastecido por oito poços artesianos, sete pivôs centrais de irrigação e três piscinas de armazenamento com capacidade total de 600 milhões de litros. É atendido por uma rede privada de média tensão de 21 km e 34,5 kV.

O sistema off-grid inclui 1,2 MW de capacidade solar com mais de 2.000 módulos bifaciais JA Solar, cada um classificado em 545 W. Ele também possui nove inversores PHB e cinco geradores a diesel – três com 700 kW de capacidade cada e dois com 550 kW de capacidade cada.

Com mais de 900 hectares de plantações de soja, a fazenda está usando a luz solar para aumentar a produtividade e reduzir os custos de produção, disse o CEO da Loop Energia, Luvânio Lopes. O consumo diário de diesel de 4.000 litros caiu para 1.000 litros, representando uma economia mensal de R$ 500.000. A tecnologia de rede inteligente tornou possível aumentar a produção de soja de entre 40 e 60 sacas por hectare para mais de 100 sacas por hectare por colheita.

Programas estaduais

Em setembro de 2023, o governo estadual do Ceará aprovou o Projeto Renda do Sol, que apoia a implementação de sistemas fotovoltaicos para pequenos agricultores e famílias de baixa renda em todo o estado.

“No futuro, queremos que o estado do Ceará e as prefeituras comprem a energia”, disse o governador Elmano de Freitas. “Isso é muito importante para o nosso desenvolvimento. Para isso, queremos capacitar essas famílias e viabilizar que elas consigam financiamento para suas usinas solares.”

De acordo com o plano do projeto, dois pilotos serão inicialmente instalados nos municípios de Jaguaribara e Tamboril, onde mais de 160 famílias estão envolvidas na produção de frutas, vegetais e laticínios. A expectativa é que a renda mensal dessas famílias aumente em mais de 50% com os fundos adicionais gerados pelo programa.

Em dezembro de 2023, o governo do estado de Minas Gerais aprovou o Programa Minas Gerais de Energia Rural Renovável, que oferece incentivos fiscais para produtores agrícolas, incluindo agricultores familiares e usuários agroecológicos de energia renovável.

Os estados brasileiros também oferecem linhas de financiamento específicas para o setor. O programa Paraná Renewable Energy (RenovaPR), por exemplo, financiou 462 projetos de geração solar de pequena escala somente no primeiro trimestre de 2024, a um custo de R$ 44,5 milhões.

A linha de crédito Desenvolvimento Rural Sustentável Paulista liberou R$ 10,3 milhões para 109 produtores em 52 municípios do estado de São Paulo em 2023 para atividade de energia renovável. Em 2022, foram disponibilizados R$ 13,6 milhões para 115 produtores em 69 municípios.

Pilotos agrivoltaicos

Uma parceria entre a empresa de energia elétrica Cemig, a Companhia de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações unirá energia solar e agricultura no mesmo terreno, aumentando o valor do uso da terra e permitindo o desenvolvimento de modelos de negócios inovadores. O investimento total é de cerca de R$ 10,5 milhões e a pesquisa será realizada ao longo de 30 meses.

“Faremos uma avaliação completa do sistema agrivoltaico customizado para Minas Gerais, envolvendo aspectos técnicos, regulatórios e econômico-financeiros sob as perspectivas do produtor rural, da distribuidora de energia e do fornecedor da solução integrada do sistema”, disse o gerente comercial da organização de pesquisa em telecomunicações, Carlos Alberto Previdelli.

A Sunfarming, empresa alemã especializada em sistemas de 1 MW que otimizam o uso da luz para geração solar e cultivo de plantas, pretende desenvolver 4 GW de capacidade de geração agrivoltaica em quatro estados brasileiros. No Pará, pretende desenvolver até 1 GW, começando em Belterra, onde pode instalar até 30 MW de sites em combinação com reflorestamento de terras. A empresa também está desenvolvendo projetos no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Ceará.